segunda-feira, 5 de abril de 2010

Tributarista Roque Carraza defende desoneração da cesta básica

Por Graça Carvalho*


“Não dá para entender que as mercadorias da cesta básica sejam oneradas pelo ICMS, tornando ainda mais minguado o salário mínimo”. A afirmação é do tributarista Antônio Roque Carraza, um dos participantes do 8° Congresso Nacional de Direito Público, em Maceió. Doutor em em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Carraza é um dos co-autores do Código de Defesa do Contribuinte, projeto de Lei que tramita no Congresso Nacional desde 1999. Após concluir sua palestra sobre o “Princípio Republicano e a carga tributária brasileira”, ele sugeriu a desoneração dos produtos essenciais à alimentação dos brasileiros e falou, entre outras coisas, sobre sua resistência ao texto da reforma tributária (PEC 233/2008) em pauta no Congresso Nacional.

Alagoas Negócios – A Proposta de Emenda Constitucional/PEC233, que trata da reforma tributária, está no Congresso Nacional há mais de um ano. O senhor acredita que matéria ainda tem chance de ser apreciada ainda este semestre.

Roque Carraza – Com certeza, não será. Aliás, sou contrário a uma reforma constitucional tributária. O nosso sistema constitucional é muito bom, falta apenas uma interpretação adequada e alguns ajustes legislativos. Agora, se a reforma for à frente, que as modificações sejam feitas de modo a não mexer em cláusulas pétreas (disposições constitucionais imutáveis), até porque os parlamentares que lá estão não exercem um poder constituinte originário, a exemplo do que ocorreu com aqueles especialmente eleitos para a discussão e aprovação da Constituinte de 1988. Essa reforma, da forma como esta posta, é mais prejudicial que benéfica, pois ameaça desconstitucionalizar garantias constitucionais e constitucionalizar gravames.

Alagoas Negócios – De forma prática, que ajustes poderiam ser feitos com relação ao Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, o tão discutido ICMS?

Roque Carraza – Uma simples interpretação mais adequada de uma expressão verbal no artigo 115, § 2°, inciso III, poderia tornar mais palatável a Constituição em matéria de ICMS, sem necessariamente fosse preciso alterá-la. Ao ler no referido dispositivo, “o ICMS poderá ser seletivo, em função da sua essencialidade”, muito mais lógico seria substituir “poderia”, por “deveria ser”, em função da essencialidade das mercadorias e serviços. Portanto, não há necessidade que se altere a CF, basta que se compreenda tecnicamente, juridicamente, a CF e se aplique de maneira adequada. Aliás, o que o Governo pretende também com relação? Estabelecer cinco faixas de alíquotas de ICMS e a mínima, de 5 %, seria justamente para comercialização dos chamados gêneros básicos, que compõem a cesta básica do trabalhador. Para que isso acontecesse, bastaria, a meu ver, se cumprir a Constituição tal como ela está hoje posta.

Alagoas Negócios – O senhor também se alinha aos que defendem a permanência dos gêneros da cesta básica entre os produtos onerados pelo ICMS?

Roque Carraza – Não, muito pelo contrário. Eu até entendo que as mercadorias que compõem a cesta básica do trabalhador, que são levadas em conta para fixação do salário mínimo, deveriam ser desoneradas por completo do ICMS. Então, sobre a venda do arroz, feijão, café, sal, açúcar entre outros alimentos essenciais, não deveria haver ICMS. A Constituição é clara ao estatuir que o salário mínimo “é o mínimo indispensável” para que uma pessoa se alimente, se vista, cuide do seu lazer e dos seus dependentes durante um mês. Já sabemos que o salário mínimo é baixo não consegue atingir os objetivos funcionais. Agora, não dá para entender que as mercadorias da cesta básica sejam oneradas pelo ICMS, tornando ainda mais minguado o salário mínimo.

Alagoas Negócios – Independente de sua posição com relação à necessidade da reforma constitucional tributária, o senhor concorda que algo tem que ser feito para redução da carga tributária no país?

Roque Carraza – É evidente. Um dos maiores problemas do Brasil é o excesso da carga tributária. Sem querer aqui incentivar a sonegação, mas constatando uma realidade, se uma empresa cumpre à risca todas suas obrigações vai à falência. Os contribuintes não suportam mais ser esmagados. A carga tributária em nosso país representa 40% do produto interno. Só não é maior que a da Suécia, mas lá não existem escolas particulares, o rei usa o hospital público e sobrevive. Portanto, existe um retorno efetivo dos tributos, fato que não ocorre no Brasil.

Alagoas Negócios – Existe, de fato, a necessidade de formalização legal de um estatuto do contribuinte, nos moldes do Projeto de Lei n° 646/99, que tramita há dez anos no Congresso Nacional?

Roque Carraza – Fui um dos que contribuíram para a formatação do texto do Projeto de Lei n° 646/99, à época encaminhado ao Congresso Nacional pelo senador Jorge Bornhausen. Há resistências ao projeto, equivocadamente apontado comum código de incentivo à sonegação. No entanto, há os que compreenderam seu caráter de defensor do contribuinte, pois a proposta em questão não se limita a revisitar os direitos e garantias fundamentais instituídos na Constituição, mas também e principalmente, a partir deles buscar a interpretação e a jurisprudência do Direito Tributário. Enfim, o Código também se propõe a por fim a rixas doutrinárias e resolver divergências de jurisprudência, harmonizando a aplicação do direito com o objetivo de conferir previsibilidade e estabilidade à relação jurídica do contribuinte com o Fisco. Portanto, não há defesa do sonegador, mas proteção ao bom contribuinte.

Alagoas Negócios – Sem um código desse tipo e sem ter um acesso mínimo a informações básicas sobre as limitações do poder de tributar, pode-se afirmar que brasileiro então fica refém do Fisco?

Roque Carraza – O Estado tem que garantir todo um aparato para que o contribuinte seja previamente informado. Se nem mesmo os especialistas em matéria tributária conseguem, de imediato, captar o que está por trás de alguma mudança proposta, é evidente que o contribuinte brasileiro fica muito vulnerável nessa relação com o Fisco. Na Espanha, por exemplo, existe a figura do defensor público do contribuinte. O cidadão recebe, em casa, uma notificação de que o seu direito na relação com o Fisco foi violado neste ou naquele ponto. Portanto, de fato, é preciso que haja existe sim, no Brasil, uma correlação de forças muito desigual entre os contribuintes e o Fisco e um flagrante desrespeito à Constituição, que garante o acesso à informação.

Matéria produzida especialmente para o site Alagoas Negócios (http://www.alagoasnegocios.com.br/conteudo/Index.asp?vEditoria=Entrevista&vCod=13121)

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