quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Progressividade do ITCMD: juridicamente possível?

Graça Carvalho*

Ao tratar do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), na Resolução 9/92 (art. 2°, o Senado Federal disciplinou que “as alíquotas dos impostos, fixadas em lei estadual, poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal.”

No entanto, ao mencionar a questão da progressividade das alíquotas,a Constituição Federal vigente (art. 145, parágrafo 1º) alerta para a necessidade de o legislador, “sempre que possível”, estabelecer uma graduação de impostos compatível com a capacidade econômica do indivíduo. Ou seja, o referido artigo é taxativo com relação ao caráter pessoal dos impostos sujeitos à progressividade de suas alíquotas. É o caso do Imposto de Renda (IR), imposto de competência federal.

Apenas em caráter excepcional, a própria constituição autoriza a progressividade de alíquotas em se tratando de dois impostos reais: o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU/Art. 156, § 1º), de competência dos municípios; e o Imposto Territorial Rural (ITR/153, §4º, inciso I), de competência da União.

Logo, se apenas nesses dois casos há previsão expressa na Constituição para a progressividade das alíquotas, não há que se falar na mesma progressividade aplicada ao ITCMD. Esta já seria, de plano, juridicamente, impossível.
Ademais, entendimento recente do Supremo Tribunal Federal, positivado na Súmula 656, acerca do Imposto de Transmissão Inter Vivos (ITBI) veio reforçar a não progressividade do ITCMD, pois os dois têm natureza de imposto real. Aduz a Súmula em comento:

“É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis - ITBI com base no valor venal do imóvel”.

Também é imprescindível argumentar, à luz do princípio da legalidade, principal esteio da administração pública, que ao agente público só é permitido fazer aquilo que a lei expressamente autoriza, ao contrário do cidadão comum, que pode fazer tudo o que a lei não proíbe.

Por fim, julgamos que o entendimento do STF com relação a não progressividade do ITBI deve ser aplicado ao caso do ITCMD até que os ministros concluam seus votos com relação ao Recurso Extraordinário (RE 562045).

Interposto há vários anos pelo Fisco do Rio Grande do Sul, tal recurso contesta a decisão da Justiça Gaúcha pela inconstitucionalidade de lei que autorizava a progressividade das alíquotas do ITCMD na quele estado.
Até fevereiro de 2008, pelo menos a uma conclusão o STF já havia chegado: trata-se de “questão relevante do ponto de vista econômico, social e jurídico que ultrapassa o interesse subjetivo da causa”.

Se o STF já reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional em discussão, resta aguardar se haverá a confirmação da não progressividade do ITCMD. Apostamos que sim!



REFERÊNCIAS


MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 28a edição. São Paulo:Malheiros Editores, 2008, p-378.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 2009, p-1018.
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário, 19ª edição. São Paulo, 2010, p-409

*Texto encaminhado à Pós-Graduação em Direito Tributário/LFG, em 17/8/2010

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A constitucionalidade e a inconstitucionalidade das taxas

Em mais uma atividade da minha pós, em Tributário (pela LFG), fomos motivados a produzir material a partir do seguinte enunciado: "Em relação ao Sistema Tributário Nacional e à jurisprudência do STF, as TAXAS cobradas em razão exclusivamente dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis são constitucionais, no entanto “é inconstitucional a cobrança de valores tidos como TAXA em razão de serviços de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos”. No trecho, mencionaram-se duas TAXAS. Distinga-as, justificando o teor do texto, que indica a constitucionalidade de uma e a inconstitucionalidade de outra. Foi o que nos solicitaram. Segue a minha resposta, após a devida pesquisa, claro.


A constitucionalidade e a inconstitucionalidade das taxas


Graça Carvalho*

Espécie de tributo diferenciada dos demais em razão de seu caráter contraprestacional, as taxas – de polícia ou de serviços –,conforme o comando constitucional (art. 145, II), devem obedecer aos requisitos de especificidade e divisibilidade, resultando em benefício a toda coletividade e não na vantagem direta para determinado contribuinte.

Conforme ensinou Aliomar Baleeiro, “a atividade especifica atual ou potencial, solicitada ou provocada pelo contribuinte dá a tônica da taxa”. (grifo nosso).
Ao tratar das taxas, o Código Tributário Nacional(CTN) conceitua serviços específicos como aqueles que podem ser destacado em unidades autônomas de intervenção, de unidade, ou de necessidades públicas (art79, inciso, II); e serviços divisíveis, como aqueles suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários (art 79, III).

Logo, é compreensível que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha lançado mão de uma súmula vinculante para impedir os entes públicos de impor aos contribuintes taxas de serviço, quando não observados os requisitos da especificidade e divisibilidade. É nesse sentido o comando da Súmula 19, que põe um fim na polêmica com relação à constitucionalidade da taxa da coleta de lixo domiciliar:

“A taxa cobrada exclusivamente em razão de serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola
o artigo 145, II, da Constituição Federal”.

Com relação, especificamente, à base de cálculo da taxa como sendo a metragem dos imóveis, abre-se mais uma fresta para a polêmica. O STF diz ser constitucional a lei instituidora da taxa que adote um ou mais elementos com a base de cálculo própria dos impostos. Ou seja, que não exista identidade integral entre a base de cálculo da taxa e a base de cálculo do imposto.

Para Hugo de Brito Machado Segundo , o total lançado a título de taxa de coleta de lixo domiciliar corresponde ao custo do serviço. Logo, o valor venal dos imóveis nada tem a ver com qualquer critério de determinação do valor da taxa de lixo”.
O referido tributarista entende que a área edificada do imóvel é um critério válido para a definição do montante individual da taxa de cada contribuinte, porque é um elemento inerente do fato gerador (ou seja, do serviço de coleta de lixo domiciliar)

Já em relação à cobrança de taxa em razão de serviços de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos, o entendimento jurisprudencial é pela inconstitucionalidade, uma vez que o referido serviço é universal e indivisível.

Mantendo-se coerente, o STF também julga impossível a cobrança de taxa, quando da realização de serviços mistos de limpeza de logradouros públicos e de coleta domiciliar de lixo. Um exemplo é o seguinte julgado:

“Serviço de limpeza de logradouros públicos e de coleta domiciliar de lixo. Universalidade. Cobrança de taxa. Impossibilidade. Tratando-se de taxa vinculada não somente à coleta domiciliar de lixo, mas, também, à limpeza de logradouros públicos, que é serviço de caráter universal e indivisível, é de se reconhecer a inviabilidade de sua cobrança.” (RE 256.588-ED-EDV, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-2-03, Plenário, DJ de 3-10-03).


Portanto, é perfeitamente compreensível que a “taxa” cobrada em razão de serviços de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos seja inconstitucional, posto que não se encaixa na definição jurídico-conceitual de taxa. Esta, conforme acima demonstrado, é constitucional (com relação em razão de serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis) por atender a requisitos constitucionais e infraconstitucionais da especificidade e divisibilidade.

Artigo encaminhado pela autora deste blog à Pós Graduação em Direito Tributário/LFG, em junho de 2010.*

Fontes de Consulta

BALEEIRO, Aliomar Direito Tributário Brasileiro, 10ª edição, Forense. Rio de Janeiro, 1993, p-120.
SEGUNDO MACHADO, Hugo de Brito. Direito Tributário Aplicado, 1ª edição, Forense. Rio de Janeiro, 2008, p-85

sábado, 24 de abril de 2010

A alteração da data de pagamento do tributo deve respeitar o princípio da estrita legalidade tributária?

Graça Carvalho*

Embora o Código Tributário Nacional não tenha incluído a data do pagamento do tributo no rol taxativo de incisos do artigo 97, que estabelece os elementos obrigatórios da lei instituidora de tributo, o assunto ainda é controverso no meio jurídico.

Defensores da alteração da data por ato infralegal, a exemplo de Leandro Paulsen, afirmam que o prazo de recolhimento do tributo não constitui elemento de hipótese de incidência, de maneira que sua fixação independe de lei. . O renomado tributarista chama atenção para que não haja confusão entre o aspecto temporal da hipótese de incidência com o prazo do recolhimento do tributo, como se pode conferir, in verbis:

“..O prazo do recolhimento do tributo não integra a norma de incidência tributária: simplesmente explicita o momento em que deve ser cumprida a obrigação pecuniária surgida com a ocorrência do fato gerador. O prazo pode, assim, ser fixado em seguida, por mero decreto, não estando abrangido pelos princípios da legalidade estrita e da anterioridade”..
.

Pelo que se depreende do CTN (artigo 97), a legalidade estrita só deve ser aplicável: à instituição de tributos, ou a sua extinção; à majoração de tributos, ou a sua redução, com as devidas ressalvas ; a definição do fato gerador da obrigação tributária principal e do seu sujeito passivo; a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo ; a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos ou para outras infrações nela definidas; e as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de crédito tributários ou de dispensa ou redução de penalidades.

Apesar disso, há doutrinadores que insistem na necessidade de uma lei específica para definição da data. Defendem que, mesmo o CTN não tendo incluído um inciso específico sobre prazo de pagamento no rol do referido artigo, esta deve, sim, ser respeitada.

É o caso do respeitado jurista Hugo de Brito Machado, que se posiciona alertando para o fato de que “o Poder busca, sempre, formas para contornar os limites que o Direito vai a muito construindo”. Para o jurista em comento, a inexistência, na lei, do prazo para o pagamento deixa a autoridade administrativa livre para fixar esse prazo, podendo exigir o tributo imediatamente após a ocorrência do fato gerador. Machado defende:

“ ...O prazo par recolhimento do tributo é, ao nosso ver, um desses elementos essenciais, especialmente quando se trata de tributo sujeito a lançamento por homologação, em que a o pagamento é antecipado pelo contribuinte. Neses, o mandamento legal teria de ser: um vez ocorrido o fato tal, pague tanto, até tal data...”


No mesmo passo, o tributarista Eduardo Sabbag, afirma que o prazo para recolhimento do tributo, conquanto ausente na lista exaustiva do CTN, apresenta-se como rudimento substancial para completude da lei tributária.


“Deixar tal determinação ao alvedrio do Poder Executivo, ao sabor da discricionariedade, é sufragar o perene estado de insegurança jurídica, acintosa ao elemento axiológico justificador do postulado da estrita legalidade”.


De fato, embora não seja o entendimento adotado pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF), a preocupação dos que defendem a estrita legalidade para o prazo de pagamento do tributo, dado o seu fundamento axiológico (valor/segurança jurídica), deve continuar rendendo grandes debates.

É necessária uma atenção especial a essa questão, sobretudo por parte dos que defendem os contribuintes, até porque, além de ter se posicionado favorável à alteração da data do pagamento do tributo por ato infralegal, o STF também editou a Súmula 669 ,segundo a qual, a norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade.

Portanto, em nome da preservação da segurança jurídica, valor que dá todo um lastro aos princípios da legalidade e da anterioridade, bem como da justiça tributária, é fundamental que o debate seja realimentado no cenário jurídico e levado ao Congresso Nacional.


Artigo encaminhado pela autora deste blog à Pós Graduação em Direito Tributário/LFG, em abril de 2010.*

Fontes Consultadas

PAULSEN, Leandro, Direito Tributário – Constituição e Direito Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2009, página 912.

MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, 28a edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, página 63.

SABBAG, Eduardo, Manual de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 2009, página 31.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Direito à informação na esfera tributária

Em 2008, quando conclui Direito, realizei uma série de entrevistas para o meu trabalho de conclusão de curso, que foi sobre “Direitos à informação na esfera tributária”.

Pretendo, um dia, publicar algo sobre esse tema, mas, até lá, vai ter muito chão. Atualmente, curso uma pós-graduação em Tributário, pela Rede LFG, onde vou ter a oportunidade de ser aluna de um tributarista que admiro muito e que me deu a alegria de responder minhas perguntas para o TCC, via email.

Seguem as entrevistas (sem a abertura clássica que gente faz como jornalista e com perguntas iguais para todos os entrevistados; afinal, no momento, não estava atuando como jornalista, mas como estudante de Direito!!!!)

Entrevista com o tributarista Hugo de Brito Machado

1. Compreender como funcionam os mecanismos do Fisco é o começo para o cidadão acompanhar a correta aplicação dos tributos e, sobretudo, participar, ativamente, de decisões políticas relativas à justiça fiscal?

R - Sim. Sem conhecer os mecanismos utilizados pelo governo no trato dos recursos públicos é impossível a formulação de qualquer juízo em torno da justiça ou injustiça fiscal.

2. Na sua opinião, o Estado dá condições ao contribuinte de conhecer o universo complexo do Sistema Tributário? O que o sistema “esconde do contribuinte”?

R - O Estado parece ter todo o interesse no sentido de manter o contribuinte sem conhecimento do sistema tributário. Demonstração evidente disto está no descumprimento, pelas autoridades federal, estaduais e municipais, da regra do art. 212 do Código Tributário Nacional.

3. No contato com seus leitores, o senhor já percebeu alguma inquietação mais específica quanto às questões que dizem respeito ao direito à informação na seara tributária?

R - Não. Parece existir um certo conformismo com a denegação do direito à informação.

4. A reforma tributária está na pauta do Congresso Nacional, mas os contribuintes estão, como sempre, alheios às discussões Mais uma vez, não há qualquer preocupação do em manter o contribuinte informado.. As estruturas montadas para o jogo de interesses econômicos impedem que os cidadãos despertem e passem a interferir na redefinição das políticas de tributação. Como reverter isso?

R - A reversão desse quadro é muito difícil, pois depende da formação de cada um. Teria de vir da escola, desde a alfabetização. Vejo a situação com muito pessimismo, embora iniciativas como a sua possam contribuir para uma mudança de rumo.
5. O senhor concorda que “o acesso à informação constitui ferramenta essencial para combater a corrupção, transformar em realidade o princípio da transparência na gestão pública e melhorar a qualidade de nossas democracias"?

R - Concordo, sim. Ocorre que os donos do poder não estão interessados no combate à corrupção, nem na transparência. Veja o que ocorre, por exemplo, com os denominados cartões corporativos, e com as despesas da ABIN, que na verdade é o SNI com outro nome. O que poderíamos denominar "sigilo da coisa pública" é uma característica dos governos ditatoriais.



Entrevista com os auditores fiscais da Receita Federal em Alagoas
Pedro Guido, Bartolomeu Barbosa, Belchior de Melo, Solemar de Miranda, e José Gonzaga


1. Compreender como funcionam os mecanismos do Fisco é o começo para o cidadão acompanhar a correta aplicação dos tributos e, sobretudo, participar, ativamente, de decisões políticas relativas à justiça fiscal?

R – Pedro Guido
Compreendendo bem a finalidade do tributo, o contribuinte não imporá grande resistência ao pagamento. Entretanto, não basta apenas o contribuinte pagar; é preciso que ele acompanhe como é gasto o dinheiro arrecadado. Infelizmente, o que se observa é uma verdadeira ausência da população por saber como funciona a gestão pública. Essa apatia facilita o surgimento da corrupção; os inúmeros casos noticiados pela imprensa provam que é cada vez maior a incidência de desvio de dinheiro público. Participando, o contribuinte poderá ajudar a prevenir e combater a corrupção e, por conseqüência, diminuir a necessidade de dinheiro do Estado, podendo até chegar ao ponto de reduzir a cobrança de tributos e/ou a melhoria do serviço público ofertado.

R – Bartolomeu Barbosa
O Fisco utiliza o sistema tributário nacional, elegendo qual é o setor da sociedade que financia o Estado brasileiro. O sistema tributário tem que ser o mais justo possível, voltado para a distribuição de renda e crescimento econômico, observando-se os princípios constitucionais da isonomia, capacidade contributiva e progressividade. Conhecendo o sistema, fica mais fácil participar ativamente das decisões políticas relativas à justiça fiscal.

R – Belchior de Melo
O fim desta pergunta exige que entendamos por “mecanismos do Fisco”, como sendo, no sentido bem amplo, a atividade financeira do Estado, no tocante, primeiramente, ao auferir suas receitas, quanto à sua natureza e origem. Daí, o interessado em conhecer esta primeira parte, poderá identificar o que é e o que não é tributo vinculado, imposto [sem destinação específica] e contribuições [com destinação específica]. Primeiro isso, para se poder acompanhar a correta aplicação dos tributos; saber em que medida as receitas que tem fim específico seguem efetivamente o seu destino; se, junto a outras receitas orçamentárias, guardam proporção com as políticas públicas promovidas pelo Estado. Compreender tudo isso, é, de fato, importante como parte do exercício da cidadania. Contudo, esse conhecimento não sugere nem conduz necessariamente a uma participação ativa e efetiva nas decisões políticas relativas à justiça fiscal. Em nosso país isto ainda é uma utopia.

R – José Gonzaga
Sim, cabe ao Fisco a difícil missão de prover o Estado de recursos para garantir o bem-estar social. Portanto o pagamento de impostos é um dever do cidadão. Mas também é um dever do Estado informar para onde vão os recursos recolhidos. A transparência na aplicação dos recursos é uma imposição constitucional. Os mecanismos de cobranças por parte do fisco são por demais influenciadores na concentração de renda. A concentração de renda é perversa, aumenta a desigualdade social, deixando poucos ricos e muitos pobres. Participar da política tributária é quase uma questão de sobrevivência; entendo que temos o dever de mudar a atual política de tributar em demasia o imposto sobre o consumo, que ainda hoje continua provendo a maior parte dos recursos do estado brasileiro.

R – Solemar de Miranda
Para que o cidadão acompanhe e cobre a aplicação correta dos tributos arrecadados, faz-se necessário conhecimento dos mecanismos do Fisco, somente assim, poderá cobrar a justiça fiscal. Sujeito do processo e não mero objeto, o povo poderá finalmente decidir sobre as políticas públicas.

2. Na sua opinião, o Estado dá condições ao contribuinte de conhecer o universo complexo do Sistema Tributário? O que o sistema “esconde do contribuinte”?
R – Pedro Guido
Não. Apesar de o Governo, sobretudo na áreas federal e estadual e municípios maiores, disponibilizar informações fiscais em publicações e páginas da internet, o contribuinte comum encontra muita dificuldade para compreender os meandros das normas que regulam a atividade fiscal-tributária. Mesmo contribuinte com bom nível de escolaridade tem tido e continua tendo muitas dúvidas. A rigor, acho que o Estado não dá todas as condições para o contribuinte dominar por completo tudo que diz respeito à sua vida fiscal. É verdade que o assunto é complexo e muito técnico. Além disso, pela quantidade de normas reguladoras, desde a Constituição, leis, decretos, portarias, instruções normativas, dentre outras, é possível perceber que, para entender tudo é preciso ser um verdadeiro especialista no assunto. Sabe-se que pela internet é possível obter-se informação que permite esclarecer quase todas as dúvidas. Mas aí surgem alguns impasses. Primeiro, a maioria dos contribuintes não dispõe de internet. Segundo, o índice de analfabetos funcionais no Brasil é muito grande e não consegue ter acesso às informações. Além disso, a legislação tributária é de difícil interpretação, é muito extensa e sofre muitas modificações. Nesse cenário, é imperioso afirmar que, de um modo geral, o contribuinte é mal informado e, por outro lado, não há preocupação do poder público em modificar essa situação.

R – Bartolomeu Barbosa
Sim, todo o sistema tributário é de conhecimento público. O contribuinte fiscalmente educado poderá ter acesso ao seu universo através da leitura, bem como através de cursos, seminários, palestras etc. È tudo uma questão de governo que, devia incentivar desde cedo nas escolas primárias o verdadeiro sentido da educação fiscal.

R - José Gonzaga
Não. Acredito ser humanamente impossível alguém compreender e/ou assimilar toda a legislação tributária. A vontade dos governos de criarem a cada dia um novo imposto, com os mais variados normativos, torna a legislação altamente complexa.

R – Solemar de Miranda
O Estado não cumpre o seu papel de órgão esclarecedor e, dessa forma, torna-se mais fácil aplicar a injustiça fiscal. Arrecadar e arrecadar é o seu lema. Ao contribuinte cabe apenas pagar os impostos que lhe são imputados direta e indiretamente e sofrer as penalidades pelo não cumprimento da obrigação tributária. O sistema tributário é muito complexo, de difícil entendimento até para os que labutam na área tributária. Aos simples mortais cabe apenas o dever de pagar.
3. A reforma tributária está na pauta do Congresso Nacional, mas os contribuintes estão, como sempre, alheios às discussões Mais uma vez, não há qualquer preocupação do em manter o contribuinte informado.. As estruturas montadas no jogo de interesses econômicos impedem que os cidadãos despertem e passem a interferir na redefinição das políticas de tributação. Como reverter isso?

R – Pedro Guido

Quase todas as decisões da Administração Pública são empurradas goela abaixo do contribuinte. A medida vem de cima e é imposta quase que ditatorialmente. O povo não entra na discussão. No caso da reforma tributária não é diferente. É certo que o assunto é muito complicado mas bem poderia de participação da sociedade no processo de debates pois, afinal de contas, é ela quem vai pagar a conta. A reforma tributária é muito difícil de ser discutida e muito mais difícil de ser aprovada. Para se realizar uma reforma tributária, ou algum ente público sai ganhando ou sai perdendo. Como ninguém quer perder receita, acaba a reforma não sendo concretizada. Ou, se for feita, as alterações são inócuas.

R – Bartolomeu Barbosa
Toda reforma parte de algum estudo cuidadoso, principalmente no que toca a tributos, pois, ela afeta a todos indistintamente. Esse estudo deve defender uma reforma tributária cidadã, além de oferecer propostas para o encaminhamento de soluções para um sistema tributário justo. É preciso atentar para os princípios de justiça fiscal; de segurança jurídica e das limitações do poder de tributar e da ordem econômica e financeira. A participação dos contribuintes tem que ser organizada através das entidades e órgãos a que eles pertencem. O Congresso Nacional, “em tese”, deveria refletir a sociedade brasileira, portanto, eles são nossos representantes e deveriam defender as regiões e os grupos sociais da população. Se todos defendessem seus interesses (regionais) de maneira equilibrada, certamente, a reforma atenderia a todos, tanto os estados produtores quanto os consumidores. Uma boa política de distribuição de renda contribuiria para a diminuição da gritante negligência social existente no Estado brasileiro. Daí, verificar-se a pobreza nas regiões Norte e Nordeste e a ascendente violência urbana em todo o país.

R – Solemar
Só quem pode reverter esta situação são os contribuintes enquanto cidadãos e eleitores. Através do voto, elegendo homens comprometidos com o bem estar social, administradores éticos e com coragem para enfrentar o poder econômico.

5. Na sua opinião, “o acesso à informação constitui ferramenta essencial para combater a corrupção, transformar em realidade o princípio da transparência na gestão pública e melhorar a qualidade de nossas democracias"?

R – Pedro Guido

Na Constituição Federal, logo no início o Brasil está definido como uma República Democrática e que todo o poder emana do povo. Diz também a Constituição, que a Administração Pública pautar-se-á nos princípios da legalidade, da moralidade, da transparência e da publicidade. Nem sempre esses princípios são respeitados. A transparência, por exemplo, é esquecida por quase todos os governantes. Muitos atos – a maioria – não são publicizados. Além da Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal-Lei Complementar 101/00, em seu artigo 49, também impõe que orçamento, finanças e prestação de contas - de qualquer poder - devem ficar, durante todo o exercício, à disposição de qualquer entidade ou de qualquer cidadão, para exame e apreciação. Diz ainda essa lei que devem ser publicadas em diário oficial e também na internet. Dia mais, que devem ser exibidas versões simplificadas desses relatórios, de modo a facilitar a interpretação daqueles de menor escolaridade. O que se percebe é que nada é publicado ou, quando se publica, faz-se de forma parcial e confusa, de tal maneira que quase ninguém entende o conteúdo. Acaba o assunto – finanças e prestação de contas – se tornando uma verdadeira caixa preta e isso facilita o crescimento da corrupção. Sem informação e pouco afeito à cultura da participação e da fiscalização, o povo se encolhe e se esconde em suas atividades de caráter particular, deixando a coisa pública como se fosse propriedade do governante de plantão. Não lhe fossem negadas as informações, a sociedade poderia acompanhar o que se passa com o dinheiro publico, dinheiro que sai de seu bolso. Esse processo da falta de informações e da falta de participação conspira contra os interesses da população e enfraquece sobremaneira a democracia. Os Conselhos de participação popular, os chamados conselhos de direitos, são instrumentos que podem contribuir para essa mudança.

R – Batolomeu Barbosa

Sim, porque conhecimento é poder, daí a importância da educação fiscal. Só quem detém a informação, pode utilizá-la como ferramenta no combate a qualquer mazela social, inclusive, a corrupção na nossa claudicante democracia.

R – Solemar de Miranda
A democratização dos meios de informação é a arma mais eficaz para denúncias e combate a corrupção. É importante o acompanhamento pela população, na finalização dos processos de corrupção, dos crimes contra a ordem pública. Impunidade é nosso maior inimigo. A informação não deve ser apenas sensacionalista, a cobrança, o acompanhamento das penalidades dos infratores. Até a devolução aos cofres públicos dos desvios, têm que ser parte da informação. Hoje a mídia denuncia, “dá ibope”, cabe a nós cobrarmos a aplicação da justiça.


Entrevista com a promotora de Justiça Karla Padilha, do Ministério Público de Alagoas


1. Compreender como funcionam os mecanismos do Fisco é o começo para o cidadão acompanhar a correta aplicação dos tributos e, sobretudo, participar, ativamente, de decisões políticas relativas à justiça fiscal?
R - Certamente que sim! Quando se tem a prática do "secretismo" dentro de setores governamentais, sobretudo o fisco, que diz respeito diretamente à forma de arrecadação e posterior distribuição de recursos, tem-se colisão com a idéia da transparência pública, pois se impede o cidadão de exercer legitimamente o controle social.

2. Na sua opinião, o Estado dá condições ao contribuinte de conhecer o universo complexo do Sistema Tributário? O que o sistema “esconde do contribuinte”?

R - Na verdade, o sistema tributário é extremamente complexo, multifacetado e muda com facilidade, o que já impõe, de antemão, uma barreira entre o cidadão comum e o controle ou acesso a tais informações. Na verdade, não se observa um interesse do Estado em investir na simplificação do sistema ou na criação de mecanismos que possam "desvendar" os imbróglios que ele suscita. Trata-se, finalmente, o direito tributário de área hermeticamente fechada, de difícil manipulação até mesmo por operadores do direito, que não atuem diuturnamente na área. O que se observa, na verdade, é que um pequeno grupo de escritórios de advocacia estudam e se dedicam ao tema e, aí, criam diversas teses e estratégias jurídicas para "vender" facilidades a seus clientes, sempre em prejuízo do fisco e da economia nacional. A tudo isso, o cidadão permanece alheio e incauto.

3. A reforma tributária está na pauta do Congresso Nacional, mas os contribuintes estão, como sempre, alheios às discussões Mais uma vez, não há qualquer preocupação do em manter o contribuinte informado.. As estruturas montadas no jogo de interesses econômicos impedem que os cidadãos despertem e passem a interferir na redefinição das políticas de tributação. Como reverter isso?

R - O próprio sistema individualista liberal-capitalista intervém decisivamente nessa realidade, na medida em que o cidadão comum sente, num primeiro momento, um alheamento total em relação à matéria. Noutras palavras, reclama do aumento dos impostos, da taxa de juros, das alíquotas do IR mas, envolvido pelo rolo compressor da sobrevivência, nào se sente co-responsável pela mudança da realidade. Enquanto isso, no Congresso Nacional, é enorme a movimentação dos lobbies de diversos setores da economia, que, de forma nefasta, interagem com os políticos do Congresso Nacional e os membros do Executivo no sentido de imprimir mudanças que inicialmente aparecem como imperceptíveis a olho nu, mas que contribuem decisivamente para o aumento da sua fatia do bolo dos lucros. Destaque-se aí as vantagens e as interpretações que são dadas em favor das instituições financeiras, por exemplo.

4. Na sua opinião, “o acesso à informação constitui ferramenta essencial para combater a corrupção, transformar em realidade o princípio da transparência na gestão pública e melhorar a qualidade de nossas democracias"?

R - Sem dúvida, informação é poder! A ausência de conhecimentos leva, por conseguinte, à dominação, e é isso que acontece também na seara tributária. O cidadão comum figura como vítima da eleição de prioridades e de mecanismos para os quais não foi consultado ou ouvido. A ausência de informação gera ausência de participação. Hoje o cidadão é um mero espectador de todos os processos, quando deveria ser um agente de transformação. Afinal, em última análise, todas as mudanças devem estar sendo traçadas em benefício de toda a coletividade.

5. A senhora entende o direito à informação como um direito fundamental (no dizer de Paulo Bonavides ele integra os direitos de quarta geração junto com o direito ao pluralismo etc). Se concorda com isso, entende que o Ministério Público pode provocar o Estado à materializar o direito à informação na esfera tributária? Nesse caso, a ação civil pública não seria um instrumento, já que não se trata de discutir a matéria tributária em si, mas resguardar o direito à informação? Este, além de fundamental não é também um direito difuso? Se o direito á informação é um direito difuso isso não reforça a legitimidade do MP para resguardá-lo?

R - Certamente que sim! Só não sei como, em termos práticos, isso poderia ser viabilizado. Porque não basta o acesso à informação, como a disponibilização de sites ou de valores do volume de recursos recebidos, mas que tais dados disponibilizados sejam inteligíveis ao público leigo, que é totalmente alheio ao assunto. Cito um outro exemplo quanto aos orçamentos. Veja, até nós, Promotores de Justiça, temos dificuldade em entender as rubricas, os repasses, o que significam as dotações orçamentárias e é justamente nos orçamentos que são "plantados" os maiores absurdos, em prejuízo de toda a coletividade, "justificando-se" a malversação de recursos públicos. Sob o ponto de vista teórico, acho perfeito. Só me preocupo com a sua eficácia, quando se tem uma seara complexa e passível de "maquiagens" para sonegar ou ocultar informações. Informação sem decodificação é informação sem utilidade para a sociedade.


Sobre o meu TCC

Resumo

O direito à informação na esfera tributária é o tema da presente monografia, na qual a autora, com base em conceitos doutrinários, normas e diversos princípios do Direito Constitucional e Administrativo, em geral, e do Direito Tributário, em particular, analisa se há uma preocupação com a materialização do mesmo, para que os cidadãos-contribuintes tenham ciência das suas obrigações para com o Fisco (municipal estadual e federal). Se há, de fato, instrumentos que possibilitam esse dever de conhecer, já que a ninguém é dado o direito de desconhecer a lei para se eximir de responsabilidade por ato ilegal praticado. No primeiro capítulo, a autora analisa a finalidade do tributo, a partir da conceituação do mesmo e de abordagens sobre a natureza da relação tributária, o dever fundamental de pagar tributos; a competência tributária, limitações ao poder de tributar e a carga tributária. No segundo capítulo, faz um apanhado dos conceitos norteadores do direito à informação e sua inter-relação com os direitos humanos e os tributos, fazendo ainda um contraponto entre o princípio da publicidade, um dos principais pilares do direito à informação no âmbito administrativo, e o Estado absoluto, com vistas à efetivação de direitos humanos.. No terceiro capítulo, a autora aponta para a possibilidade da construção de um novo paradigma em defesa do cidadão-contribuinte, tomando a informação tributária como direito difuso, com vistas à construção coletiva da justiça fiscal.

PALAVRAS CHAVES: Constituição Federal, Direito Tributário, direito à informação, contribuintes, direitos fundamentais, justiça fiscal.

Tributarista Roque Carraza defende desoneração da cesta básica

Por Graça Carvalho*


“Não dá para entender que as mercadorias da cesta básica sejam oneradas pelo ICMS, tornando ainda mais minguado o salário mínimo”. A afirmação é do tributarista Antônio Roque Carraza, um dos participantes do 8° Congresso Nacional de Direito Público, em Maceió. Doutor em em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Carraza é um dos co-autores do Código de Defesa do Contribuinte, projeto de Lei que tramita no Congresso Nacional desde 1999. Após concluir sua palestra sobre o “Princípio Republicano e a carga tributária brasileira”, ele sugeriu a desoneração dos produtos essenciais à alimentação dos brasileiros e falou, entre outras coisas, sobre sua resistência ao texto da reforma tributária (PEC 233/2008) em pauta no Congresso Nacional.

Alagoas Negócios – A Proposta de Emenda Constitucional/PEC233, que trata da reforma tributária, está no Congresso Nacional há mais de um ano. O senhor acredita que matéria ainda tem chance de ser apreciada ainda este semestre.

Roque Carraza – Com certeza, não será. Aliás, sou contrário a uma reforma constitucional tributária. O nosso sistema constitucional é muito bom, falta apenas uma interpretação adequada e alguns ajustes legislativos. Agora, se a reforma for à frente, que as modificações sejam feitas de modo a não mexer em cláusulas pétreas (disposições constitucionais imutáveis), até porque os parlamentares que lá estão não exercem um poder constituinte originário, a exemplo do que ocorreu com aqueles especialmente eleitos para a discussão e aprovação da Constituinte de 1988. Essa reforma, da forma como esta posta, é mais prejudicial que benéfica, pois ameaça desconstitucionalizar garantias constitucionais e constitucionalizar gravames.

Alagoas Negócios – De forma prática, que ajustes poderiam ser feitos com relação ao Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, o tão discutido ICMS?

Roque Carraza – Uma simples interpretação mais adequada de uma expressão verbal no artigo 115, § 2°, inciso III, poderia tornar mais palatável a Constituição em matéria de ICMS, sem necessariamente fosse preciso alterá-la. Ao ler no referido dispositivo, “o ICMS poderá ser seletivo, em função da sua essencialidade”, muito mais lógico seria substituir “poderia”, por “deveria ser”, em função da essencialidade das mercadorias e serviços. Portanto, não há necessidade que se altere a CF, basta que se compreenda tecnicamente, juridicamente, a CF e se aplique de maneira adequada. Aliás, o que o Governo pretende também com relação? Estabelecer cinco faixas de alíquotas de ICMS e a mínima, de 5 %, seria justamente para comercialização dos chamados gêneros básicos, que compõem a cesta básica do trabalhador. Para que isso acontecesse, bastaria, a meu ver, se cumprir a Constituição tal como ela está hoje posta.

Alagoas Negócios – O senhor também se alinha aos que defendem a permanência dos gêneros da cesta básica entre os produtos onerados pelo ICMS?

Roque Carraza – Não, muito pelo contrário. Eu até entendo que as mercadorias que compõem a cesta básica do trabalhador, que são levadas em conta para fixação do salário mínimo, deveriam ser desoneradas por completo do ICMS. Então, sobre a venda do arroz, feijão, café, sal, açúcar entre outros alimentos essenciais, não deveria haver ICMS. A Constituição é clara ao estatuir que o salário mínimo “é o mínimo indispensável” para que uma pessoa se alimente, se vista, cuide do seu lazer e dos seus dependentes durante um mês. Já sabemos que o salário mínimo é baixo não consegue atingir os objetivos funcionais. Agora, não dá para entender que as mercadorias da cesta básica sejam oneradas pelo ICMS, tornando ainda mais minguado o salário mínimo.

Alagoas Negócios – Independente de sua posição com relação à necessidade da reforma constitucional tributária, o senhor concorda que algo tem que ser feito para redução da carga tributária no país?

Roque Carraza – É evidente. Um dos maiores problemas do Brasil é o excesso da carga tributária. Sem querer aqui incentivar a sonegação, mas constatando uma realidade, se uma empresa cumpre à risca todas suas obrigações vai à falência. Os contribuintes não suportam mais ser esmagados. A carga tributária em nosso país representa 40% do produto interno. Só não é maior que a da Suécia, mas lá não existem escolas particulares, o rei usa o hospital público e sobrevive. Portanto, existe um retorno efetivo dos tributos, fato que não ocorre no Brasil.

Alagoas Negócios – Existe, de fato, a necessidade de formalização legal de um estatuto do contribuinte, nos moldes do Projeto de Lei n° 646/99, que tramita há dez anos no Congresso Nacional?

Roque Carraza – Fui um dos que contribuíram para a formatação do texto do Projeto de Lei n° 646/99, à época encaminhado ao Congresso Nacional pelo senador Jorge Bornhausen. Há resistências ao projeto, equivocadamente apontado comum código de incentivo à sonegação. No entanto, há os que compreenderam seu caráter de defensor do contribuinte, pois a proposta em questão não se limita a revisitar os direitos e garantias fundamentais instituídos na Constituição, mas também e principalmente, a partir deles buscar a interpretação e a jurisprudência do Direito Tributário. Enfim, o Código também se propõe a por fim a rixas doutrinárias e resolver divergências de jurisprudência, harmonizando a aplicação do direito com o objetivo de conferir previsibilidade e estabilidade à relação jurídica do contribuinte com o Fisco. Portanto, não há defesa do sonegador, mas proteção ao bom contribuinte.

Alagoas Negócios – Sem um código desse tipo e sem ter um acesso mínimo a informações básicas sobre as limitações do poder de tributar, pode-se afirmar que brasileiro então fica refém do Fisco?

Roque Carraza – O Estado tem que garantir todo um aparato para que o contribuinte seja previamente informado. Se nem mesmo os especialistas em matéria tributária conseguem, de imediato, captar o que está por trás de alguma mudança proposta, é evidente que o contribuinte brasileiro fica muito vulnerável nessa relação com o Fisco. Na Espanha, por exemplo, existe a figura do defensor público do contribuinte. O cidadão recebe, em casa, uma notificação de que o seu direito na relação com o Fisco foi violado neste ou naquele ponto. Portanto, de fato, é preciso que haja existe sim, no Brasil, uma correlação de forças muito desigual entre os contribuintes e o Fisco e um flagrante desrespeito à Constituição, que garante o acesso à informação.

Matéria produzida especialmente para o site Alagoas Negócios (http://www.alagoasnegocios.com.br/conteudo/Index.asp?vEditoria=Entrevista&vCod=13121)